No começo de fevereiro eu tive a oportunidade de visitar o Uruguai pela primeira vez. Minha família é uruguaia e eu cresci com todo um imaginário das ruas, pessoas e dialetos locais e agora, finalmente, consegui colorir e dar vida a todas as imagens mentais que criei durante minha vida. Tudo graças a um casal de amigos! ❤
A verdade é que muitas das ideias que eu tinha sobre o local foram derrubadas e outras foram assentadas. Entre mates, chivitos, choripans e biscochos, o mais impressionante foi caminhar pelas ruas e pelo bairros de Montevidéu como se eu conhecesse tudo muito bem, como a palma da minha mão e talvez até melhor que São Paulo. Eu sabia quais ônibus pegar, que rua descer e para que lado caminhar sem nem precisar olhar para os mapas.
Talvez, essa impressão tenha sido causada pela leitura de livros do escritor uruguaio Mario Benedetti (tem a influência da minha família também, mas vocês me entendem). “Primavera Num Espelho Partido”, “A Borra de Café” e, mais recentemente, “A Trégua” foram alguns livros que li do autor e que me deixaram com a permanente sensação de familiaridade, de já ter lido aquelas histórias e de, talvez, já ter caminhado por aquelas ruas sem nem ter ido para lá. Com “A Trégua”, que eu li em espanhol, a sensação foi mais intensa. A linguagem montevideana, os sotaques e as escolhas de palavras me passaram a sensação de estar escutando uma história lida pelo meu avô.
Eu não criei um roteiro específico para visitar Montevidéu, mas tinha comigo uma lista de lugares que queria conhecer. Um deles era a Fundação Mario Benedetti, que fica na Calle Joáquin de Salteráin, 1293, no bairro de Cordón, em uma região majoritariamente residencial (eu super achei que tinha me perdido no caminho, porque só encontrei casas, um mercadinho e uma borracharia).
Um show à parte, a sede da Fundação é uma casa de 1910, que foi reformada e restaurada recentemente para sediar o local. Antes disso, o acervo de Benedetti ficava em uma Associação de Escritores Uruguaios.
Fui recebida no local por Hortensia, a secretária do local e a pessoa responsável por fazer os tours da casa. Ela me contou que a fundação era um projeto de vida de Benedetti, que só pode realizá-lo depois de morto. Ele acreditava que criar a fundação com seu nome, quando ainda estava vivo era ser um grande puxa-saco de si mesmo.
Em seu testamento, Benedetti deixou tudo planejado: as ações da fundação, os presidentes, vice-presidentes e até suplentes, caso os primeiros selecionados morressem e ele também escolheu o local da sede: O apartamento onde ele e Luz, sua esposa, passaram boa parte de suas vidas, depois do exílio na Espanha.
Por ser um prédio residencial, os vizinhos não gostaram da ideia de ter gente entrando e saindo para visitar o local. Então, como alternativa, os diretores da fundação apontados por Benedetti escolheram a casa e a compraram e reformaram com o dinheiro da venda dos apartamentos de Montevidéu e da Espanha, que Benedetti tinha comprado durante o exílio.
Quando cheguei, não havia ninguém além de Hortensia na casa. Ela me contou que poucas pessoas, uruguaios inclusive, sabem da existência da Fundação, que além de preservar o trabalho de Benedetti, também organiza um concurso literário bienal e também trabalha para a preservação dos direitos humanos.
Todos os móveis usados no local, as cadeiras, mesas, lustres e até as xícaras e pratos eram de Benedetti e Luz. Em uma das salas há um armário lindo com todas as coisas de cozinha do casal. A foto que eu tirei de lá ficou ruim, por conta da luz fraca, mas é possível ver um pedacinho dele aqui:
Há uma réplica do escritório de Benedetti, feita à partir dos relatos dos amigos e colegas do escritor. Ela é tão bem feita que dá a impressão de que ele saiu para ir na panaderia comprar biscochos e logo estará de volta. É possível ver um caderno com suas anotações, sua boina e seus suspensórios pendurados ao lado da porta.
Ao fundo, há um jogo de xícaras e um bule de café, pronto para ser usado. Hortensia me contou que, certa vez, Luz disse a Benedetti que a única função dele na casa era fazer o café e, por isso, as xícaras ficavam sempre em seu escritório. Em uma das estantes, há uma coleção das edições estrangeiras de seus livros. O local fica fechado porque Hortensia me contou que era comum que as pessoas tocassem e até tentassem roubar algumas coisas.
A biblioteca com o acervo de livros pessoal de Benedetti também está lá e Hortensia conta que, em breve, esses livros vão ser disponibilizados ao público. Um dos objetivos da Fundação é que o local de sua sede funcione como um espaço cultual que possa ser desfrutado pelo público e por estudantes, para a realização de oficinas e cursos.
A impressão que tive é que a fundação ainda está se organizando e seu trabalho não está totalmente finalizado ainda, da forma como Benedetti queria.
Depois da visita à casa, Hortensia me deu um folheto, o “Guia Benedetti”, uma ideia genial que te ajuda a conhecer Montevidéu a pé. Como boa parte dos livros de Benedetti tem referências a lugares e ruas de Montevidéu, o Guia Benedetti seleciona esses trechos específicos e cria rotas que você pode seguir, junto com os trechos em que Benedetti os mencionou e a que livro pertencem. Maravilhoso!
A única coisa chata é o horário de funcionamento. No site, somos informados de que a Fundação fica aberta até às 18 horas. Fui uma segunda vez para o local, desta vez acompanhada da minha tia e chegamos lá às 17h21. Mesmo assim, Hortensia informou que não poderia realizar o tour, por conta do horário. Uma pena. 😦
Além da fundação, eu visitei um monte de livrarias e até um café super especial e simbólico em Montevidéu, mas isso fica para outro post! Fique de olho!
Beeijos, A Garota do Casaco Roxo