Pepitas Brasileiras – Jean-Yves Loude

pepitas brasileiras

Nome: Pepitas Brasileiras: Do Rio de Janeiro ao Maranhão, uma viagem de 5.000 quilômetros em busca dos heróis negros do país.

Autor: Jean-Yves Loude

Editora: Autêntica

Páginas: 351

Terminei de ler a última página de “Pepitas Brasileiras” com vontade de reler o livro, até que todas as palavras e informações contidas nele estivessem impregnadas em minha memória.

Deitada em minha cama, finalizei o relato de viagem de Leuk e Leão sabendo que aquela jornada de mais de 5 mil quilômetros havia mudado minha perspectiva em muitos assuntos e que “Pepitas Brasileiras” tem o grande potencial de ser minha melhor leitura de 2017.

Que livro, minha gente, que livro!

Nossa jornada começa com um e-mail, recebido no primeiro dia do ano por um casal de etnólogos franceses que, provavelmente, não tem nem ideia da aventura que os espera. Na tela do computador eles são encarados pelos olhares computadorizados da projeção da aparência de Luiza, cujo esqueleto – de 11 mil anos de idade – foi encontrado aqui no Brasil. A reação de ambos é de surpresa e de excitação, afinal de contas, o crânio tinha características negras, a projeção tem pele negra e pertence a uma época em que os pesquisadores acreditavam que América só estava sendo colonizada por migrantes da Sibéria e da Mongólia, que vinham através do Estreito de Bering. Será possível que os negros chegaram de barco a esta terra que conhecemos por Brasil antes que os outros “colonizadores”?

O e-mail, enviado por Zayda, diretora da companhia de cultura “Tambor de Crioula Catarina de Mina”, foi o impulso final para que Leuk e Leão organizassem suas coisas e viessem para o Brasil em busca dos personagens negros de nossa história, cujas vidas, feitos e conquistas foram encobertos ou esquecidos de alguma forma.

“Há uma coisa de que o Brasil sofre ainda hoje: a persistência de preconceitos ligados à evocação do país, clichês fabricados em grande parte pelo cinema, pela televisão e pela indústria turística e que sobrevivem graças à preguiça intelectual. Uma visão tacanha que irrita aqueles que se recusam a ver o gênio plural do Brasil, mestiço, efervescente, em perpétua criação, reduzido à simples evocação de Copacabana, do futebol, das novelas, da violência, do tráfico, do Carnaval e da coisificação do corpo feminino.”

p.18

Com os textos e a narrativa em formato de diário de viagem e endereçados especificamente à Zayda, o leitor observa um verdadeiro desfile de personagens, cores, gostos, cheiros e cidades deste Brasil, cujos nomes são tão pouco conhecidos que eram ignorados por mim.

Através de visitas em museus, sítios arqueológicos, quilombos, marcos históricos e cidades inteiras, contando com o apoio das pesquisas de Leuk e de entrevistas e diálogos com pesquisadores brasileiros, a jornada dos etnólogos é costurada à trajetória daqueles que marcaram a história do meu país. O resultado é uma mistura, aquela pontinha de sabor que faz você querer pesquisar e saber mais e mais sobre tudo aquilo que foi nos ensinado.

Desfilam pelas páginas e pelo nosso imaginário os mais conhecidos personagens negros de nossa história, como Aleijadinho e Castro Alves, passando por Ana das Carrancas e Santa Anastácia, cuja história eu já tinha ouvido aqui e lá, até chegar em Negro Cosme, a Beata Maria de Araújo e a história das mulheres do Quilombo Conceição das Crioulas, que eu realmente desconhecia.

“Essa imagem da liberdade reconquistada foi coberta por uma pichação escrota do tipo: “Deus criou o pé para chutar a bunda!”. Compreende-se que se trata da bunda do negro. Anoto a fórmula diante de um senhor que está ali passeando e parece constrangido por nossa atenção a semelhante expressão de racismo ordinário. Explico-lhe que também anotei outra reflexão, muito bonita, caligrafada na parede, inscrita na moldura pintada de um falso pergaminho: “Existe uma história do povo negro sem o Brasil. Mas não existe uma história do Brasil sem o povo negro.”

p.272

Muitos outros personagens aparecem no livro e uma das coisas que eu mais gostei é que você não precisa ser um historiador ou um intelectual para apreciar algumas das vidas apresentadas no livro. Basta ter empatia e você já vai sair anotando nomes, para pesquisar mais sobre essas “pepitas”. Didático, Jean-Yves pega o leitor pela mão e nos ajuda a refrescar conceitos que nos foram ensinados na escola e depois esquecidos com o passar dos anos.

Cada personagem que passava pelas páginas de “Pepitas Brasileiras” me ensinava um pouco mais sobre a história de meu país e sobre os contextos que foram torcidos para justificar a escravidão e o racismo. Aprendi que as estátuas de namoradeiras têm um fundo bem melancólico e triste até. Aprendi que a cultura do Nordeste é muito mais extensa e profunda do que eu tinha conhecimento. Aprendi que “Maria Padilha” tem um significado histórico real, que vai bem além de um simples nome.

“Um rapaz jovem e loquaz aponta cada figura policroma e nos apresenta São Jorge derrotando seu eterno dragão, os gêmeos médicos Cosme e Damião, uma série de Nossas Senhoras em suas diversas atribuições, Nossa Senhora Aparecida em perfeita cumplicidade com Iemanjá, a entidade espiritual das águas salgadas, ela própria muito próxima de Santa Bárbara. Tem também Ogum, Exu, Oxum, Iansã…. Uma verdadeira reunião cordial de potências sobrenaturais. E aqui os espíritos índios, Sete Catacumbas e Sete Encruzilhadas. E Zé Pelintra, o boêmio de roupa branca e chapéu de malandro: mas cuidado, por trás de sua silhueta de sambista cafajeste se esconde um espírito poderoso.”

p.59

Descobri que, para uma pessoa que gosta de história e que considerava conhecer relativamente bem o assunto, eu não sei de nada. Arrisco dizer que, da missa, eu arranho só um Pai Nosso.

Além do aspecto histórico, as religiões afro-brasileiras também têm grande destaque na narrativa e certos aspectos delas são explicados e aprofundados de forma que praticantes e não praticantes possam entendê-las um pouco melhor. Sem preconceitos.

“Uma vozinha interior nos guia para uma loja escura de estátuas afrorreligiosas. Imagino, Zayda, que esses minimercados atulhados de produtos místicos devem parecer banais para você. Mas eles nos fascinam. Cheiram a incenso e transbordam efígies de gesso pintado ou de ferro, de todos os tamanhos, orixás e santos católicos lado a lado, bunda a bunda, Virgens tímidas, deuses impudicos, gênios índios, espíritos vestidos de malandro sambista ou de marinheiro: só mesmo o céu brasileiro para abençoar tamanho samba do crioulo doido.”

p. 185

Eu queria que todo brasileiro lesse “Pepitas Brasileiras”. Eu queria uma nova versão dele, com a linguagem um pouco mais simples, para que ele pudesse ser lido nas escolas. O livro original foi escrito em francês e a tradução foi feita por Fernando Scheibe, que fez um ótimo trabalho em dar picardia e charme brasileiros a escrita de Jean-Yves.

Eu gostaria que a divulgação deste livro fosse bem maior. A Editora Autêntica fez alguns posts patrocinados no Facebook e eu aproveitei para comprar o livro na Festa do Livro da USP, depois de ler um desses. Mesmo assim, quem fez o cadastro de “Pepitas Brasileiras” no Goodreads foi a própria que vos escreve e eu ainda estou para ver alguma resenha dele em algum site (vi uma crítica no O Globo, mas foi só).

Como disse no começo do texto, quero reler “Pepitas Brasileiras” em breve. É um livro que te ensina e te incita a querer saber mais. Agora que tomei conhecimento desse Brasil, quero ir mais além e ler mais sobre a história de meu próprio país.

“Nunca me esquecerei de uma senhora negra, batista, prosélita, que aceitou vir ao Salão do Livro para nos escutar falar das consequências das expansões europeias na África e no Brasil. Essa mulher forte, empregada doméstica, levantou-se e interpelou toda a plateia: “Não é absurdo que seja preciso esse casal de brancos para nos falar de nossa história como se fossem negros?!” – e atravessou a sala para nos abraçar.”

p.301

Recomendo “Pepitas Brasileiras” para qualquer um, independente de idade, raça, escolaridade, sexo ou nacionalidade. Não estou exagerando ao dizer que esse livro ampliou meus horizontes.

Beeijos, A Garota do Casaco Roxo

O Mundo das Múmias – Heather Pringle

the mummy congress

Nome: O Mundo das Múmias
Autora: Heather Pringle
Editora: Ediouro
Páginas: 291

Nossa, já faz um tempo que não posto aqui, né? *tira a poeira das coisas* *liga a luz*

Quando se posta só uma vez por semana e se passa algumas semaninhas sem postar, a impressão que dá e que faz decênios que não sento aqui para falar sobre minhas leituras. Sobrevivi ao fim do penúltimo semestre da faculdade e a organização de um Congresso – voltei! Yay!

A resenha de hoje vai causar um grande estranhamento para aqueles que vem aqui esperando resenhas de romances da Meg Cabot e da Carina Rissi. Por vezes, eu deixo escapar aqui que tenho um gosto secreto por livros de não-ficção – são um dos meus guilty pleasures! Já resenhei livros científicos e engraçadinhos como o “E Se?” e o “Stiff: The Curious Life of Human Bodies“.

“O Mundo das Múmias”, de Heather Pringle, dá um pouco de continuidade ao que eu aprendi com “Stiff”. Se neste, falávamos sobre cadáveres e pessoas que doaram seu corpo à ciência, no livro de Pringle descobrimos mais sobre pessoas que doaram seus corpos à história – sem querer, né?

O livro começa com a jornalista Heather Pringle em um Congresso de Múmias, no Peru. Nele, a jornalista acaba descobrindo todo um nicho secreto: Pesquisadores que estudam o cabelo de múmias, para saber o que elas comiam e se elas usavam drogas, corpos incorruptíveis, aqueles que não apodrecem, e que, por isso, foram canonizados pela Igreja Católica, múmias de crianças incas que ainda têm os cílios e até mesmo estudos sobre o corpo de Lênin, que foi embalsamado e até hoje tá lá preservado.

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O livro tem várias fotos e imagens que te ajudam a visualizar melhor aquilo que a autora descreve. Essa daqui é de uma múmia egípcia de 2.000 anos com cabelo ruivo e cacheado – muito mais bem tratado que o meu…

O livro é bem doido.

Mas é fascinante. Pringle vai tecendo, à partir do Congresso, uma narrativa que te leva por várias partes do mundo e que aborda de maneira clara, abrangente e, por vezes, cômica, o estranho hábito que nossos antepassados tinham de preservar seus corpos e se manter “em forma” para a próxima vida.

Monges japoneses que tentaram mumificar a si mesmos, os embalsamadores de Stálin, múmias chinchorro e até mesmo corpos do pântano são analisados pela autora, que, com o auxílio de outros pesquisadores, monta um passado e até uma breve “análise” de como essas pessoas morreram.

É uma leitura ótima e esclarecedora tanto para pesquisadores quanto para quem (como eu!) tem um pouco de curiosidade demais na veia. A única ressalva é que eu gostaria de ter lido ele com mais calma. A narrativa é tão envolvente que eu devorei o livro em poucas sentadas. Talvez eu poderia ter aproveitado mais, se tivesse tomado-o como um bom vinho ao invés de entornar como se fosse catuaba.

Beeijos, A Garota do Casaco Roxo

PS: A capa que aparece no começo do post é da edição em inglês do livro. Não consegui encontrar ele em nenhuma loja oficial, então as fotos da capa em português são todas de outras pessoas, não me senti confortável em usá-las.