Estou voltando ao meu ritmo normal de leitura de pouco em pouco. Setembro foi um mês tão corrido e atribulado que, mesmo se quisesse, eu provavelmente não teria conseguido ler muito. Por causa disso, preciso confessar: estou sem ideias para posts novos no blog.
Tem alguma dica ou sugestão? Tem alguma coisa que você gostaria de ver por aqui? Me deixa um comentário, quem sabe isso não ajuda a minha deusa interna da inspiração! haha
Alguns dos (poucos) livros que li esse ano não foram resenhados aqui no blog. Para que eles não passem em branco, optei por escrever um post com mini resenhas deles. Vamos ler?
Killers of the flower moon: The Osage murders and the birth of the FBI, de David Grann
Eu peguei “Killers of the flower moon” para ler porque achei que seria parecido com “O Demônio na Cidade Branca”, de Erik Larson. Os dois traçam um momento histórico, para então abordar assassinatos que aconteceram durante aquela época.
No livro de David Grann acompanhamos o boom do petróleo nos EUA, que tornou uma tribo indígena, os “Osage”, extremamente ricos. O governo federal impedia que o petróleo fosse explorado nas terras dos indígenas sem o pagamento de royalties e isso trouxe muito dinheiro ao estado de Oklahoma e aos índios.
Apesar da riqueza, os Osage ainda eram extremamente discriminados e sofriam constantes limitações. Naquela época, alguns deles tinham que pedir autorização a um “tutor branco” toda vez que mexiam no dinheiro obtido pelos royalties.
Mesmo com as aparentes divisões entre os Osage e os brancos, tudo vai bem. Até que uma série de ataques contra os índios começam a acontecer. Explosões, tiros, bombas e mortes “acidentais” começam a afetar a tribo e o governo não sabe mais o que fazer para conseguir prender o culpado – até que Edgar J. Hoover entra em cena com o embrião do que viria a ser o FBI – Federal Bureau of Investigation.
Hoover e seus agentes começam uma investigação à moda antiga e o resultado é um livro extremamente curioso.
David Grann faz um excelente trabalho em trazer à vida esse período da história dos Estados Unidos que é tão pouco explorado pelos livros e filmes. O livro é dividido em duas partes e a primeira aborda a tribo indígena e a vida em Oklahoma naquela época. A segunda fala mais sobre a investigação dos assassinatos e o surgimento do FBI.
Surpreendentemente, gostei mais da parte que traça a história dos índios do que a parte da investigação em si. Como estive em Tulsa, quando fui Jovem Embaixadora, foi fascinante ler sobre a história de um lugar que eu conheci.
No geral, o livro é bem interessante e é mais um dos ótimos livros de não-ficção que li esse ano.
Bond é enviado ao sul da França com o objetivo de jogar cartas contra Le Chiffre, o tesoureiro de um sindicato controlado pelo serviço de contra-espionagem da Rússia (SMERSH). A responsabilidade de Bond é jogar baccarat contra Le Chiffre e apostar até levá-lo à falência.
Ligeiramente mais vulnerável que os James Bonds dos filmes, o Bond do livro ainda é charmoso e poderoso com as mulheres, mas sofre bastante. Sofre tanto que eu fiquei achando que ele ia morrer durante um bom pedaço da história.
O livro foi uma experiência interessante demais, até para ver como é que eles escreviam livros de ação back in the day.Ainda assim, sigo firme vendo os filmes.
Jane Eyre, de Charlotte Bronte
Ler “Jane Eyre” também foi uma experiência interessante. Foi o primeiro livro que li na vida, em que, sem nunca ter colocado meus dedos na história, eu sabia o enredo todo.
Eu sabia da história não porque vi o filme ou coisa do tipo, mas porque “Jane Eyre” é tão mencionado em alguns livros que li sobre escrita, que eu não tive escolha mesmo.
Mas, mesmo assim, essa foi uma experiência libertadora. Libertadora porque removeu toda aquela ansiedade em saber o que ia acontecer com os personagens. Como eu já sabia todo o enredo, eu pude só me concentrar na escrita e na construção de cenas da escritora.
Levei quase 3 meses para terminar o livro (eu li ele em inglês, então é perdoável, né?) e terminei a narrativa sentindo que Jane Eyre merecia mais. Eu também não desenvolvi nenhum crush pelo Mr. Rochester, pelo contrário, achei ele um abusado.
E você? Já leu algum desses livros? O que achou deles?
Hoje é Dia da Imprensa. A data passou a ser “comemorada” em 1999 e marca o primeiro dia de circulação do jornal Correio Braziliense, fundado em 1808, por Hipólito José da Costa. Pensando em encontrar uma forma de celebrar a data, achei que seria legal fazer uma lista de livros reportagem e coisa e tal. Achei que seria legal incluir Gay Talese, Truman Capote e gente que já li.
Mas depois de dar uma pensada, percebi que marcar o Dia da Imprensa com obras jornalísticas seria um pouco clichê. Por isso, decidi listar livros que não deixam de ser livros-reportagem, mas que superam isso e viram obras de não-ficção. São narrativas que foram escritas após anos de pesquisa, dedicação e suor. Todos os autores reunidos são jornalistas que, acima de tudo, são testemunhas da história.
A Vida Imortal de Henrietta Lacks, de Rebecca Skloot
Quem me conhece sabe que eu quase nunca leio um livro duas vezes. Convenhamos, a vida é curta e a lista de livros é interminável. Aproveito o meu tempo lendo livros novos e só dedico um tempinho extra para aqueles que me marcam mesmo e que mudaram minha forma de pensar de alguma forma. Pois bem, eu li “A Vida Imortal de Henrietta Lacks” duas vezes.
O livro conta a história de Henrietta Lacks, negra e moradora de Maryland, nos EUA de 1951. Henrietta sofre de uma forma particularmente agressiva de câncer. Os médicos retiram parte do seu tecido canceroso e para realizar uma biópsia e… As suas células continuam a se reproduzir, se colocadas em um meio de cultura correto e mantidas na temperatura certa. As células de Henrietta acabam por solucionar um grande problema da medicina. Algumas pesquisas e tratamentos não podiam ser feitos, simplesmente porque não podia ser testados. Com as células HeLa, como ficaram conhecidas, todo o problema é solucionado e uma indústria milionária é formada, sem que a família Lacks, muito humilde, saiba de qualquer coisa.
“Nos anos 1960, os cientistas diziam, brincando, que as células HeLa eram tão robustas que provavelmente conseguiriam sobreviver em ralos de pia ou em maçanetas de porta. Estavam por toda parte. O público em geral podia cultivar células HeLa seguindo as instruções de um artigo tipo faça você mesmo da Scientific American, e tanto os cientistas russos como os americanos haviam conseguido cultivá-las no espaço.”
p. 180
O livro transcende a história de Henrietta, que, por si só, já é fascinante. Dos campos de tabaco em que ela costumava trabalhar na colheita, durante a infância, até a vida de Deborah, sua filha, sempre perturbada por conta das células. Rebecca Skloot passou 10 anos acompanhando a vida da família Lacks e o livro não deixa de ser um pouco sobre a própria jornalista.
Recentemente, “A Vida Imortal de Henrietta Lacks” foi adaptado para o cinema, pela HBO, tendo Oprah Winfrey como a protagonista, Deborah Lacks. Eu ainda não pude ver o filme, porque sou pobre e não tenho HBO, mas adoraria vê-lo um dia.
Deborah Lacks e Rebecca Skloot, em uma imagem do filme
“A Vida Imortal de Henrietta Lacks” é, majoritariamente, um livro de jornalismo científico, mas não deixa de ser um livro que aborda diretamente o cenário dos EUA do século passado, principalmente nas relações raciais em si. Henrietta Lacks é uma das mencionadas nesse texto sobre 5 biografias de mulheres fortes, que eu escrevi para a Revista Pólen.
A Face da Guerra, de Martha Gellhorn
O fim da faculdade costuma ser um período de reflexão. A gente fica olhando para trás, pensando nas nossas decisões e no que nos levou a tomá-las. Bate uma certa nostalgia e a gente não consegue deixar de se perguntar “E aí, será que eu fiz a coisa certa?”. Comigo, pelo menos, está sendo assim. Todo mundo diz que isso é normal, que acontece com qualquer um, mas não deixo de estranhar o porquê de ninguém falar sobre esse assunto diretamente.
De qualquer forma, quem me convenceu a fazer jornalismo e a perseguir isso como carreira (ainda que eu esteja desanimada, nos últimos tempos) foi Martha Gellhorn. Com sua vida fascinante, sua relação amorosa com um escritor americano bem famoso do século passado – que vira nota de rodapé sempre que eu falo dela, Martha Gellhorn é a maior jornalista de guerra com quem já tive contato.
Martha voltando aos EUA, depois de uma temporada na Europa.
Martha realizou a cobertura de quase todas as guerras do século passado, começando pela Guerra na Espanha, até a Invasão do Panamá. Também são abordados a Guerra dos Seis Dias, a Guerra do Vietnã e a Segunda Guerra Mundial, particularmente em um texto chamado Dachau, que foi meu primeiro contato com a autora e que conta um pouco do estado do campo de concentração de Dachau, logo após sua liberação. Falo mais sobre “Dachau” neste post que escrevi para a Revista Pólen, “Guerra e Registro: Martha Gellhorn”.
Do seu marido-escritor, com quem ela casou em 1939 e se divorciou em 1945 (exatamente o tempo de duração da Segunda Guerra Mundial), Martha ganhou um livro dedicado a ela: “Por quem os sinos dobram”
Martha estava lá, presenciou e viu os horrores da guerra com seus próprios olhos e, talvez, por esse mesmo motivo, ela fosse uma pacifista totalmente contra a guerra. O texto é fascinante e é melhor do que qualquer filme hollywoodiano para te dar uma noção, em cores e alta definição, sobre como era realmente estar em uma guerra.
“Um menino chamado Paco estava sentado em sua cama com grande dignidade. Tinha 4 anos, um grave ferimento na cabeça e era lindo. Ele foi atravessar uma praça para se encontrar do outro lado com uma menininha com quem brincava à tarde. Então, uma bomba caiu. Muitas pessoas foram mortas e ele foi ferido na cabeça. Ele havia suportado sua dor silenciosamente, disse a enfermeira. O ferimento já tinha cinco meses. Ele sempre fora paciente com o ferimento e, à medida que os meses passavam, tornava-se mais solene e mais adulto a cada dia. Às vezes, chorava sozinho, mas sem fazer nenhum som, e, se alguém reparava, ele tentava parar.”
p. 54
“A Face da Guerra” deveria ser leitura obrigatória neste século e, ainda assim, muitos jornalistas que conheço sequer ouviram falar de Martha Gellhorn.
“Atrás do arame farpado e da cerca eletrificada, os esqueletos sentavam ao sol e catavam piolho neles mesmo. Eles não têm idade e não têm rostos; todos eles se parecem e não são como nada que você vai ver se tiver sorte.”
p.203
Seus textos foram todos escritos no século passado (ela cometeu suicídio em 1998), mas não consigo deixar de sentir um arrepio, toda vez que leio notícias sobre nossas guerras contemporâneas, em especial a da Síria, e consigo traçar paralelos entre os textos de Martha e os acontecimentos de hoje. Já dizia Edmund Burke, “quem não conhece a história, está fadado a repeti-la”.
A Capital da Vertigem, de Roberto Pompeu de Toledo
“A Capital da Vertigem: Uma história de São Paulo de 1900 a 1954” é um livro que me deixou sem fôlego, na primeira vez que o vi na livraria.
Eu adoro história e adoro histórias de cidade. Acho horrível andar pelo centro velho da cidade e ver prédios com uma arquitetura peculiar e ruas com nomes conhecidos e disseminados por todo o país, sem saber ou ter a mínima noção de onde aquilo saiu e do porquê certas coisas são como são.
Me arrependi um pouco da forma como li “A Capital da Vertigem”. O livro tem mapas, fotografias, títulos de capítulos com nomes peculiares e pode ser lido como um romance, sem nenhuma dificuldade. O texto é bem fluído e usa técnicas de storytelling, usando personagens históricos para explicar trechos da história da cidade de São Paulo. Eu devo ter devorado suas 579 páginas em umas duas semanas.
“Mil novecentos e vinte foi um ano difícil para Mário de Andrade, o jovem professor de Estética e História da Música do Conservatório que encontramos ao final do capítulo VIII. Gastava o que tinha e o que não tinha na compra de livros e por isso vivia enrascado em problemas de dinheiro. Sentia esgotadas as experiências poéticas com bem-comportados versos parnasianos mas não conseguia encontrar o novo caminho e a nova voz pelos quais ansiava.”
p. 213
“A Capital da Vertigem” é, com certeza, um livro que irei reler, com mais calma de preferência. Seu antecessor, “A Capital da Solidão”, que conta a história da cidade de São Paulo de 1554 até 1900, é muito interessante e recheado de fatos históricos. Eu tive um pouco de dificuldade para lê-lo, talvez pela distância histórica entre os acontecimentos passados dois, três séculos atrás. Eu também quero comprar a edição de “A Capital da Solidão”, porque comprei a versão econômica do livro e acho que isso me atrapalhou um pouco.
É o livro ideal para quem quer saber mais sobre sua própria cidade, ou sobre como se desenvolveu a cidade (olha o meu bairrismo aí, gente!) mais importante do país.
4. O Instante Certo, de Dorrit Harazim
Quem sou eu para falar de Dorrit Harazim, não é mesmo? Ela é a jornalista contemporânea que mais admiro e seus textos sempre têm a capacidade de me transportar. Por vezes, quando ergo os olhos deles, me sinto temporariamente perdida, sem saber direito em que época ou onde estou.
Terminei de ler “O Instante Certo” poucas semanas atrás, com a sensação de que o livro poderia ter mais milhares de fotos e eu iria aproveitar com felicidade cada uma delas.
American Girl in Italy, Florence, de Ruth Orkin é umas das imagens que aparece no livro e cuja história, realidade e bastidores são revelados.
Esse poderia ser um simples livro de fotografia, daqueles de pôr na mesinha de centro, para as visitas te acharem culta, ou poderia ser um tratado sobre técnicas, jogos de luzes, focos, lentes, aberturas de diafragmas, ISO e tudo mais que envolve uma boa foto. Mas ele vai muito além.
Dorrit resgata as histórias envolvidas nas fotos. Não importa se é a história pessoal do fotógrafo, a história do protagonista da foto ou da pessoa que está no plano de fundo. Não importa se é o cenário histórico que é realmente importante, como as fotos que falam do Apartheid e das violências no sul dos Estados Unidos, em plena era Jim Crow, ou as imagens de Sebastião Salgado, do atentado contra o presidente Ronal Reagan.
“The Most Beautiful Suicide”, de Robert C. Wiles, abre o livro revelando a história da protagonista da foto e de quem realizou a imagem.
A jornalista selecionou fotos que já são peculiares ou interessantes por algum motivo e fez o impossível: deu vida ao que estava congelado e deu cor ao que estava em preto e branco. Cada foto presente no livro tem seu próprio capítulo e alguns são super curtos, com duas ou três páginas, outros, como o capítulo que fala sobre Sebastião Salgado, são enormes.
Há um capítulo inteiramente dedicado aos fotógrafos dos presidentes dos EUA. O trabalho de Pete Souza, de registrar a Era Obama, tem grande destaque.
Diferente dos outros livros já mencionados na lista, “O Instante Certo” não está concentrado em um único ano, em uma determinada época ou localidade geográfica. Através dos 5 continentes, em diversas eras históricas, na época das fotos analógicas ou digitais, o livro de Dorrit é uma grande viagem.
A única coisa que senti falta foi uma bibliografia no final do livro. Imagino que a pesquisa deve ter sido bem extensa e gostaria de saber que livros foram utilizados para encontrar essas informações, já que, muitas vezes, eu gosto de ir atrás desses mesmos livros, em busca de mais coisas interessantes. Além disso, durante os capítulos, Dorrit menciona uma série de escritores e de livros e eu adoraria tê-los reunidos em um só apêndice.
A imagem que Sebastião Salgado fez, do atentado contra a vida do presidente Ronald Reagan é usada para introduzir um pouco da vida e da história do maior fotógrafo brasileiro.
Nome: Pepitas Brasileiras: Do Rio de Janeiro ao Maranhão, uma viagem de 5.000 quilômetros em busca dos heróis negros do país.
Autor: Jean-Yves Loude
Editora: Autêntica
Páginas: 351
Terminei de ler a última página de “Pepitas Brasileiras” com vontade de reler o livro, até que todas as palavras e informações contidas nele estivessem impregnadas em minha memória.
Deitada em minha cama, finalizei o relato de viagem de Leuk e Leão sabendo que aquela jornada de mais de 5 mil quilômetros havia mudado minha perspectiva em muitos assuntos e que “Pepitas Brasileiras” tem o grande potencial de ser minha melhor leitura de 2017.
Que livro, minha gente, que livro!
Nossa jornada começa com um e-mail, recebido no primeiro dia do ano por um casal de etnólogos franceses que, provavelmente, não tem nem ideia da aventura que os espera. Na tela do computador eles são encarados pelos olhares computadorizados da projeção da aparência de Luiza, cujo esqueleto – de 11 mil anos de idade – foi encontrado aqui no Brasil. A reação de ambos é de surpresa e de excitação, afinal de contas, o crânio tinha características negras, a projeção tem pele negra e pertence a uma época em que os pesquisadores acreditavam que América só estava sendo colonizada por migrantes da Sibéria e da Mongólia, que vinham através do Estreito de Bering. Será possível que os negros chegaram de barco a esta terra que conhecemos por Brasil antes que os outros “colonizadores”?
O e-mail, enviado por Zayda, diretora da companhia de cultura “Tambor de Crioula Catarina de Mina”, foi o impulso final para que Leuk e Leão organizassem suas coisas e viessem para o Brasil em busca dos personagens negros de nossa história, cujas vidas, feitos e conquistas foram encobertos ou esquecidos de alguma forma.
“Há uma coisa de que o Brasil sofre ainda hoje: a persistência de preconceitos ligados à evocação do país, clichês fabricados em grande parte pelo cinema, pela televisão e pela indústria turística e que sobrevivem graças à preguiça intelectual. Uma visão tacanha que irrita aqueles que se recusam a ver o gênio plural do Brasil, mestiço, efervescente, em perpétua criação, reduzido à simples evocação de Copacabana, do futebol, das novelas, da violência, do tráfico, do Carnaval e da coisificação do corpo feminino.”
p.18
Com os textos e a narrativa em formato de diário de viagem e endereçados especificamente à Zayda, o leitor observa um verdadeiro desfile de personagens, cores, gostos, cheiros e cidades deste Brasil, cujos nomes são tão pouco conhecidos que eram ignorados por mim.
Através de visitas em museus, sítios arqueológicos, quilombos, marcos históricos e cidades inteiras, contando com o apoio das pesquisas de Leuk e de entrevistas e diálogos com pesquisadores brasileiros, a jornada dos etnólogos é costurada à trajetória daqueles que marcaram a história do meu país. O resultado é uma mistura, aquela pontinha de sabor que faz você querer pesquisar e saber mais e mais sobre tudo aquilo que foi nos ensinado.
Desfilam pelas páginas e pelo nosso imaginário os mais conhecidos personagens negros de nossa história, como Aleijadinho e Castro Alves, passando por Ana das Carrancas e Santa Anastácia, cuja história eu já tinha ouvido aqui e lá, até chegar em Negro Cosme, a Beata Maria de Araújo e a história das mulheres do Quilombo Conceição das Crioulas, que eu realmente desconhecia.
“Essa imagem da liberdade reconquistada foi coberta por uma pichação escrota do tipo: “Deus criou o pé para chutar a bunda!”. Compreende-se que se trata da bunda do negro. Anoto a fórmula diante de um senhor que está ali passeando e parece constrangido por nossa atenção a semelhante expressão de racismo ordinário. Explico-lhe que também anotei outra reflexão, muito bonita, caligrafada na parede, inscrita na moldura pintada de um falso pergaminho: “Existe uma história do povo negro sem o Brasil. Mas não existe uma história do Brasil sem o povo negro.”
p.272
Muitos outros personagens aparecem no livro e uma das coisas que eu mais gostei é que você não precisa ser um historiador ou um intelectual para apreciar algumas das vidas apresentadas no livro. Basta ter empatia e você já vai sair anotando nomes, para pesquisar mais sobre essas “pepitas”. Didático, Jean-Yves pega o leitor pela mão e nos ajuda a refrescar conceitos que nos foram ensinados na escola e depois esquecidos com o passar dos anos.
Cada personagem que passava pelas páginas de “Pepitas Brasileiras” me ensinava um pouco mais sobre a história de meu país e sobre os contextos que foram torcidos para justificar a escravidão e o racismo. Aprendi que as estátuas de namoradeiras têm um fundo bem melancólico e triste até. Aprendi que a cultura do Nordeste é muito mais extensa e profunda do que eu tinha conhecimento. Aprendi que “Maria Padilha” tem um significado histórico real, que vai bem além de um simples nome.
“Um rapaz jovem e loquaz aponta cada figura policroma e nos apresenta São Jorge derrotando seu eterno dragão, os gêmeos médicos Cosme e Damião, uma série de Nossas Senhoras em suas diversas atribuições, Nossa Senhora Aparecida em perfeita cumplicidade com Iemanjá, a entidade espiritual das águas salgadas, ela própria muito próxima de Santa Bárbara. Tem também Ogum, Exu, Oxum, Iansã…. Uma verdadeira reunião cordial de potências sobrenaturais. E aqui os espíritos índios, Sete Catacumbas e Sete Encruzilhadas. E Zé Pelintra, o boêmio de roupa branca e chapéu de malandro: mas cuidado, por trás de sua silhueta de sambista cafajeste se esconde um espírito poderoso.”
p.59
Descobri que, para uma pessoa que gosta de história e que considerava conhecer relativamente bem o assunto, eu não sei de nada. Arrisco dizer que, da missa, eu arranho só um Pai Nosso.
Além do aspecto histórico, as religiões afro-brasileiras também têm grande destaque na narrativa e certos aspectos delas são explicados e aprofundados de forma que praticantes e não praticantes possam entendê-las um pouco melhor. Sem preconceitos.
“Uma vozinha interior nos guia para uma loja escura de estátuas afrorreligiosas. Imagino, Zayda, que esses minimercados atulhados de produtos místicos devem parecer banais para você. Mas eles nos fascinam. Cheiram a incenso e transbordam efígies de gesso pintado ou de ferro, de todos os tamanhos, orixás e santos católicos lado a lado, bunda a bunda, Virgens tímidas, deuses impudicos, gênios índios, espíritos vestidos de malandro sambista ou de marinheiro: só mesmo o céu brasileiro para abençoar tamanho samba do crioulo doido.”
p. 185
Eu queria que todo brasileiro lesse “Pepitas Brasileiras”. Eu queria uma nova versão dele, com a linguagem um pouco mais simples, para que ele pudesse ser lido nas escolas. O livro original foi escrito em francês e a tradução foi feita por Fernando Scheibe, que fez um ótimo trabalho em dar picardia e charme brasileiros a escrita de Jean-Yves.
Eu gostaria que a divulgação deste livro fosse bem maior. A Editora Autêntica fez alguns posts patrocinados no Facebook e eu aproveitei para comprar o livro na Festa do Livro da USP, depois de ler um desses. Mesmo assim, quem fez o cadastro de “Pepitas Brasileiras” no Goodreads foi a própria que vos escreve e eu ainda estou para ver alguma resenha dele em algum site (vi uma crítica no O Globo, mas foi só).
Como disse no começo do texto, quero reler “Pepitas Brasileiras” em breve. É um livro que te ensina e te incita a querer saber mais. Agora que tomei conhecimento desse Brasil, quero ir mais além e ler mais sobre a história de meu próprio país.
“Nunca me esquecerei de uma senhora negra, batista, prosélita, que aceitou vir ao Salão do Livro para nos escutar falar das consequências das expansões europeias na África e no Brasil. Essa mulher forte, empregada doméstica, levantou-se e interpelou toda a plateia: “Não é absurdo que seja preciso esse casal de brancos para nos falar de nossa história como se fossem negros?!” – e atravessou a sala para nos abraçar.”
p.301
Recomendo “Pepitas Brasileiras” para qualquer um, independente de idade, raça, escolaridade, sexo ou nacionalidade. Não estou exagerando ao dizer que esse livro ampliou meus horizontes.
Nome: O Demônio na Cidade Branca: Assassinato, magia e loucura na feira que mudou os EUA
Autor: Erik Larson
Editora: Record (mas foi publicado pela Intrínseca recentemente também)
Páginas: 556
“O Demônio na Cidade Branca” foi um achado. Explico: Na livraria do meu bairro, vira e mexe vendem alguns livros bons, que ficaram encalhados no estoque das editoras, por R$ 12. Lá, eu comprei “O Demônio na Cidade Branca” e muitos outros títulos – muitos mesmo, por isso estou proibida de comprar livros novos. Pouco tempo depois, descobri que a Editora Intrínseca tinha republicado o livro de Erik Larson no final do ano passado. Minha edição é de 2005, mas acho que a experiência de leitura é a mesma.
“O Demônio na Cidade Branca” é um livro de não-ficção que aborda acontecimentos e fatos históricos reais. Mais especificamente, nós seguimos a história da Exposição Universal de 1893, oficialmente conhecida como “Exposição Internacional Colombiana”. Sediada na cidade de Chicago, a feira internacional teve duração de um ano e buscava celebrar os 400 anos da chegada de Cristovão Colombo ao Novo Mundo, a América – daí o nome “Colombiana”.
Erik Larson, através de uma extensa pesquisa em livros, documentos oficiais, diários e arquivos, reconstrói a narrativa de tal forma, que a impressão que temos é que estamos lendo um romance com diálogos, cenários e personagens principais e secundários. Ele chega a ser quase cinematográfico.
No livro, nós acompanhamos as dores e o trabalho árduo de Daniel Burham, um dos maiores arquitetos dos Estados Unidos e o responsável por realizar a feira. Burnham foi o criador do edifício Flatiron em Nova Iorque e ficou encarregado de supervisionar o trabalho de elaboração e design dos prédios da Exposição Universal. Ele também foi o responsável por construir os planos e por tonar a feira realidade. Os prédios seguiram um padrão arquitetônico e eram todos brancos, daí o nome “Cidade Branca”.
Na Exposição Universal de 1893, havia prédios para cada área do conhecimento (Humanidades, Manufaturas, Indústrias…) e também pavilhões temáticos para diversos países do mundo.
Junto com Burnham estava também Frederic Law Olmsted, o paisagista responsável pelo Central Park, também de Nova Iorque. Juntos, os dois tiveram o trabalho gigantesco e descomunal de transformar uma área pantanosa e úmida nos arredores de Chicago em uma Exposição Universal de dar inveja à de Paris, que aconteceu em 1889, e de sobrepujar o grande marco da exposição anterior, a Torre Eiffel. A exposição tinha até um grande lago navegável, que foi construído para agradar aos desejos paisagísticos de Olmsted.
A “Corte de Honra” de Burnham e o lago de Olmstead.
Paralelamente aos desafios de Burnham, nós seguimos o jovem médico H.H. Holmes, cujos olhos carinhosos e gestos afetuosos eram uma fachada para um grande psicopata que matou muita gente, ao longo do decorrer da Exposição Universal.
Visando obter lucro com o afluente de pessoas que iria até Chicago para visitar os pavilhões e prédios de Burnham, H.H. Holmes construiu um hotel mórbido, com canos de ventilação, passagens secretas e um porão equipado com um crematório e ácidos e solventes químicos, para ajudá-lo a se livrar dos corpos. Holmes era um serial-killer de deixar Jack, o Estripador no chinelinho.
Entre os anos de preparativos que antecederam a Exposição, até a construção dos prédios; os acontecimentos da Feira em si; os assassinatos de Holmes, culminando, por fim, na prisão do assassino, através do trabalho do detetive Geyer, “O Demônio na Cidade Branca” é um livro eletrizante e de tirar o fôlego, que vai fazer qualquer jornalista desejar tê-lo escrito. Eu me peguei segurando a respiração em diversos momentos, por causa de Holmes, e também torcendo para que o trabalho de Burnham desse certo, além do sucesso da exposição.
Cenários e diálogos são reconstruídos por Larson através de suas extensas pesquisas. A narrativa começa conosco a bordo do Olympic, junto com Burnham, enquanto o navio cruza o Oceano Atlântico, para ajudar a resgatar a tripulação e os passageiros de um outro navio, que havia afundado a pouco, o Titanic. Tecendo conexões entre momentos históricos e comparativos que ajudam leitores mais leigos a entender o que está acontecendo, um dos principais momentos da história dos EUA ganha vida, cor, cheiro e forma.
Muitas curiosidades são levantadas e a quantidade de coisa que eu aprendi com esse livro não tá escrita! Um dos exemplos desses aprendizados inesperados aconteceu por conta do exaustivo trabalho dos engenheiros para encontrar algo que fosse superior à Torre Eiffel ,em todos os aspectos. O resultado foi obtido pelo engenheiro George Ferris, que construiu a primeira roda gigante (em inglês “Ferris Wheel”) da história. Os carrinhos da roda gigante tinham janelas de vidro e as descrições de Larson sobre o terror e o medo dos primeiros passageiros da roda gigante são hilárias. Pedidos de casamento, casamentos e tentativas de suicídio aconteceram naquela roda gigante.
A primeira Roda Gigante da história, construída na Feira Internacional Colombiana
Outros personagens de importância histórica mundial passeiam pela feira e tudo o que você vai querer é ler mais e mais. Os assassinatos de Holmes também ajudam a dar um toque meio noir ao livro e, apesar de serem pesados, as descrições não são tão detalhadas a ponto de deixar você – muito – assustado. O perfil psicológico de Holmes é muito bem construído e é difícil não se surpreender com a quantidade de gente que ele matou sem que ninguém percebesse ou notasse algo de estranho.
A única coisa que eu senti falta foram imagens e fotografias. É bem comum, nesse tipo de livro, ter um capítulo inteiro só com imagens e fotografias que ajudam a criar um imaginário das cenas descritas e dos personagens também (eu, por exemplo, imaginei Burnham como Chris Hemsworth e agora me recuso a pesquisar seu rosto e ver que ele não é nada disso). A verdade é que a falta de imagens é explicada até por Larson, no próprio livro. Como uma forma de conseguir mais lucros para a exposição – que estava atolada em dívidas – Burnham vendeu os direitos de imagem e só havia um único fotógrafo autorizado a tirar fotos do local, por isso a escassez de registros. Qualquer hora vou até uma livraria só para ver se há fotos na edição da Intrínseca.
Recomendo “O Demônio na Cidade Branca” para qualquer um que goste de história, arquitetura, assassinatos, suspense, investigação e curiosidades. Quem gostou de filmes como “Os Intocáveis”, do Brian de Palma, vai adorar isso aqui. O livro é um prato cheio para quem quer se desafiar e sair um pouquinho da zona de conforto na leitura.
Definitivamente, essa já é uma das melhores leituras que fiz em 2017 e agora só me resta procurar por livros semelhantes e tão legais quanto esse.
Se você me desse uma passagem aérea para qualquer lugar do mundo, eu provavelmente escolheria Paris. Não sei o que acontece comigo e com essa cidade, mas sou totalmente apaixonada por ela desde novinha. Já li guias de viagem, assisti documentários e tenho uma prateleira inteira da minha estante dedicada a livros que se passam na Cidade Luz. Quando vi uma nota sobre esse livro no facebook do Consulado da França, sabia que precisava dele.
O título já explica um pouco sobre o que iremos encontrar no conteúdo. Maurício Torres Assunção escolhe brasileiros que marcaram época, seja por suas inovações como Santos Dumont, seja por seu cargo, como D. Pedro II, e traça um retrato de suas vidas enquanto eles moravam em Paris.
O livro é fascinante, porque te ajuda a montar um retrato de um determinado momento da história do Brasil (por mais que eu ame história, ainda preciso aprender um bocado sobre a família imperial) ao mesmo tempo em que te guia pela vida desses personagens na Cidade-Luz.
O autor faz uso de técnicas do jornalismo literário e realmente te transporta para a cidade e para o passado. Dá para imaginar D. Pedro II sendo ovacionado nas ruas, dá para ver Santos Dumont andando de balão pela Champs Elysée, consigo imaginar os brasileiros da época sendo influenciados por Auguste Comte (Ordem e Progresso, mermão!), escuto claramente as bachianas brasileiras enquanto estou sentada em uma braserie e consigo ouvir uma conversa entre Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, sobre o recente desabamento de uma ciclovia no Rio de Janeiro, enquanto ambos comem um lanche na beira do Sena.
Mesmos sendo um livro de não-ficção, li muito rápido (eu adoro não-ficção, mas normalmente não os leio com tanta rapidez) e me encantei tanto, que se tivéssemos mais personagens e mais vidas retratadas no livro, eu ia querer mais e mais e mais, até não sobrar nenhum brasileiro em Paris. Gostaria de ter um negativo desse livro. Quem sabe um “A História da França nas Ruas de São Paulo”? Será que dá samba?
Parte de mim ficou um bocado frustrada durante a leitura, devo admitir. Sempre quis visitar a cidade e já tenho uma lista de coisas para fazer quando estiver lá (adicionei mais um tanto de locais depois da leitura do livro e cheguei à conclusão de que, se eu quiser ver tudo, vou ter que morar lá), então ver um retrato pintado tão ricamente e sentir que ainda estou longe de poder ver e experimentar tudo isso ao vivo me deixou um pouco chateada (pelo menos eu posso fingir que estou esperando ficar fluente no francês para poder ir até lá, non?).
O mapa da capa continua dentro do livro e é tão lindo, mas tão lindo que se eu pudesse ter a imagem, eu provavelmente montaria um quadro com ela.
Recomendo para todo mundo com aquele sentimento de wanderlust, mas que sabe para onde quer ir, sem ficar vagando. Amantes de arte, literatura, arquitetura, turismo e viagem, música e até os imperialistas e monarquistas vão adorar este retrato fiel à nossa história. Deu até uma pontinha de orgulho de ser brasileira!