O Porquê eu acho que já posso morrer em paz (ou não)

         Na terceira série, uma professora que não estava com vontade dar aula, pediu para a classe fazer uma lista de ‘’coisas para fazer antes de morrer’’.

         Com raiva, afinal de contas, era para ser uma aula de leitura com passeio até a biblioteca, eu coloquei em minha lista, coisas impossíveis. Pelo menos, coisas que o meu ‘’eu’’ de 9 anos considerava impossíveis.

         Sair do país antes dos 18, ver uma múmia, visitar a NASA, conhecer meu autor favorito (que na época, era o Monteiro Lobato), ir para a faculdade, ler todos os gibis da Monica publicados até a época, tomar um porre, mergulhar no mar de noite e de roupa, comer ovo de codorna até explodir, comer uma pizza inteira, viver um grande amor, brigar com alguém mais poderoso e mais importante que eu, dar uma entrevista para a TV, comer 2 Big Mac’s, escrever um jornal, patinar no gelo… E assim, minha lista fluiu.

         Escrevi crente de que não conseguiria fazer tudo. Escrevi dez páginas na minha letra desfigurada (que continua desfigurada) apenas para ter o prazer de ver a professora corrigindo e lendo todas elas. Errei acentos, virgulas (isso, eu, erro, até, hoje) e pontos de propósito, eu era uma criança muito vingativa.

         O que eu não sabia era que da minha lista de 10 páginas apenas 2 itens ficariam sem ser feitos.

         Já saí do país, já vi uma múmia, visitei a NASA (a NASA mesmo! Com direito a palestra do diretor e tudo); já patinei no gelo; conheci meus autores favoritos (prometi pro Monteiro que o visitaria assim que chegasse no céu); escrevi e dois jornais diferentes, em uma revista e no meu próprio jornal; fui e estudei uma faculdade (e fora do país! Matei dois coelhos em uma cajadada só! Ganho bônus?); li todos os gibis da Monica de 2000 a 2004; comi uma bandeja inteira de ovos de codorna; comi 2 Big Mac’s (um em dia e outro no outro); dei duas entrevistas para a TV; comi uma pizza inteira; mergulhei no mar de noite e de roupa e briguei com alguém MUITO mais importante que eu.

         Da minha lista, faltam apenas viver um grande amor e tomar um porre (tecnicamente, na 7ª série, eu, minha mãe e minha vó tomamos um copo de licor de meia de seda. Minha avó ficou vermelha e riu tanto que fez xixi nas calças, minha mae e eu também choramos de rir! Acho que fiquei altinha nesse dia. E se for o caso, posso considerar meu relacionamento complicado com anestesia geral como um porre!).

         Por tudo isso, quando soube que o mundo tinha grandes chances de acabar por causa dos Maias e do vento solar, um misto de medo e de felicidade me invadiu.

         Felicidade, porque das dez páginas, cumpri quase tudo (eu deveria tentar me eleger). E medo porque, tecnicamente, já tenho um ‘’passe-livre’’ para morrer, mas não quero.

         Também não acho válido fazer uma lista nova, ou adicionar adendos na minha, só para dizer que mereço mais algum tempinho aqui na Terra, para cumprir tudo.

         E não acredito que eu vá arranjar um grande amor tão já pelo menos (do jeito que as coisas andam, só depois dos 40!). Por isso, me dou o direito de ficar no final da fila na hora que o Juízo Final chegar (e lá, quem sabe, conhecer um grande amor?).

         E se, por um acaso eles decidirem matar as pessoas seguindo ordem alfabética, me dou o direito de morrer de pijama, agarrada com meus livros e assistindo ‘’Titanic’’, desejando internamente (e eternamente talvez) ter tido a oportunidade de viver um amor tão bonito quanto do de Jack e Rose!

Beijoos, A Garota do Casaco Roxo.

BOM FIM DO MUNDO PROCES!

2 comentários sobre “O Porquê eu acho que já posso morrer em paz (ou não)

  1. Denise Guaranha 22 de dezembro de 2012 / 23:00

    Este texto é lindo!!! Poético, verdadeiro, bem escrito etc.

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